Estudos consolidados indicam que a deficiência de ferro no início da vida pode afetar diferentes aspectos neurocomportamentais, como a velocidade de processamento de informações, afeto, aprendizagem e memória, sendo esta última, a vertente com maior número de embasamento científico disponível [1].

O período fetal e os primeiros anos de vida são momentos delicados e de intenso crescimento e desenvolvimento cerebral, necessitando de aporte nutricional de ferro em quantidades suficientes. A carência desse elemento pode desencadear eventos adversos cuja magnitude só poderão ser conhecidos no decorrer dos anos, a depender da dose de ferro e duração da deficiência [1].

Déficits de aprendizagem e memória já foram relatados em lactentes deficientes de ferro, quadro que persiste apesar da reposição posterior do nutriente. Os mecanismos neurais subjacentes aos déficits de curto e longo prazo estão sendo elucidados, mas, o que se sabe atualmente, é que níveis baixos de ferro podem alterar o transcriptoma, metaboloma, estruturas e as vias de sinalização intracelular e a eletrofisiologia de regiões cerebrais, como o hipocampo, a região do cérebro responsável pelo aprendizado e memória [1].

O hipocampo em desenvolvimento demonstrou ser uma região particularmente vulnerável aos efeitos da deficiência de ferro precoce, um achado que é consistente com os efeitos agudos e persistentes dessa carência na aprendizagem declarativa e na memória em humanos e modelos animais. Essa maior vulnerabilidade deve-se, em grande parte, à sua rápida taxa de maturação no final do período fetal e neonatal em humanos e roedores, aliada à dependência desses processos maturacionais em relação ao ferro [1].

Impactos da deficiência de ferro na memória

Pesquisas em modelos animais que mimetizam a deficiência de ferro no início da vida, revelam impactos significativos em diversos aspectos do desenvolvimento cerebral. Esses efeitos abrangem desde a mielinização até a função de neurotransmissores, afetando regiões cerebrais corticais e subcorticais cruciais para a codificação, consolidação e armazenamento de traços de memória [2].

Particularmente, áreas cerebrais como o estriado, a amígdala e o hipocampo são notavelmente afetadas pela carência de ferro [2,3]. Estudos clínicos indicam que a deficiência de ferro em crianças de 6 a 18 meses impacta negativamente a memória de reconhecimento [4,5].

A memória de reconhecimento refere-se à capacidade do cérebro de identificar ou lembrar-se de um estímulo que já foi encontrado anteriormente. Em outras palavras, é a habilidade de reconhecer algo que foi experimentado antes. Quando somos expostos a um estímulo pela primeira vez, esse é processado e armazenado na nossa memória. Se encontrarmos o mesmo estímulo novamente, a memória de reconhecimento nos permite perceber que já estamos familiarizados com o fato.

Em outro ensaio, pesquisadores investigaram as relações da deficiência nutricional de ferro durante o período fetal-neonatal e pós-natal (9 meses) com a memória de reconhecimento aos 9 e 18 meses. Considerando a rápida evolução dos sistemas de memória durante os primeiros 2 anos de vida, o estudo traz como resultados uma maior suscetibilidade da memória ao estado deficitário do mineral, corroborando com as descobertas anteriores [6].

Os resultados desse estudo têm o potencial de não apenas expandir nosso conhecimento sobre os efeitos da deficiência de ferro na memória em bebês, mas também de fornecer insights cruciais para estratégias de rastreamento e prevenção da deficiência de ferro, especialmente a suplementação materna e nos primeiros anos de vida [6].

Efeitos da suplementação de ferro no desenvolvimento cognitivo

O desenvolvimento cognitivo é um aspecto que pode ser fortemente impactado pela deficiência nutricional de ferro. Em recente revisão sistemática e metanálise, pesquisadores avaliaram as atuais evidências científicas acerca dos benefícios da suplementação de ferro em crianças de idade escolar quanto à memória, atenção e concentração [7].

Na revisão, foram selecionados 13 artigos, seguindo os seguintes critérios de elegibilidade: os participantes do estudo deveriam incluir crianças em idade escolar de 6 a 12 anos e fossem ensaios clínicos randomizados [7].

Os resultados gerais apresentados nos estudos avaliados demonstraram que a suplementação com ferro melhorou significativamente a atenção, concentração e a memória de crianças em idade escolar. Particularmente, crianças anêmicas que foram suplementadas tiveram melhores resultados em escores de inteligência e memória [7].

Portanto, a suplementação de ferro tem um efeito positivo significativo sobre a cognição em crianças em idade escolar e pode ser considerada, especialmente em crianças com quadro comprovado de anemia [7].

Referências:

[1] Fretham SJ, Carlson ES, Georgieff MK. The role of iron in learning and memory. Adv Nutr. 2011 Mar;2(2):112-21. doi: 10.3945/an.110.000190

[2] Georgieff MK. The role of iron in neurodevelopment: fetal iron deficiency and the developing hippocampus. Biochem Soc Trans. 2008;36:1267–71. doi: 10.1042/bst0361267

[3] Cusick SE, Georgieff MK, Rao R. Approaches for reducing the risk of early-life iron deficiency-induced brain dysfunction in children. Nutrients. 2018;10(2):227. doi: 10.3390/nu10020227

[4] Burden MJ, Westerlund AJ, Armony-Sivan R, Nelson CA, Jacobson SW, Lozoff B, et al. An event-related potential study of attention and recognition memory in infants with iron-deficiency anemia. Pediatrics. 2007;120(2):e336–e345. doi: 10.1542/peds.2006-2525

[5] Congdon EL, Westerlund A, Algarin CR, Peirano PD, Gregas M, Lozoff B, Nelson CA. Iron deficiency in infancy is associated with altered neural correlates of recognition memory at 10 years. J Pediatr. 2012;160(6):1027–33. doi: 10.1016/j.jpeds.2011.12.011

[6] Geng F, Mai X, Zhan J, Xu L, Zhao Z, Georgieff M, et al. Impact of fetal-neonatal iron deficiency on recognition memory at 2 months of age. J Pediatr. 2015;167(6):1226–32.

[7] Gutema BT, Sorrie MB, Megersa ND, Yesera GE, Yeshitila YG, Pauwels NS, De Henauw S, Abbeddou S. Effects of iron supplementation on cognitive development in school-age children: Systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2023 Jun 27;18(6):e0287703. doi: 10.1371/journal.pone.0287703

× Como posso te ajudar?